Comunicação compassiva e cuidados paliativos

Fundamentos das habilidades e inteligência social

 

Os fundamentos da comunicação compassiva baseiam-se em crescer ajudando ao próximo e compondo instrumentos com o paciente e sua família.

 

Para cuidar do sofrimento humano necessitamos:

 

– De presença

– Comunicação

– Saber falar para ouvir

 

Se você tem muita necessidade de falar, você não está preparado para se conectar. Não se trata de estar na frente de um paciente que fala. É preciso saber ouvi-lo.

 

Não tem nada que não possa ser dito pela voz de quem sabe fazer silêncio.

 

Empatia – Você estará sendo simpático ao processo caso fique indignado ao perceber o paciente com sensação de rejeição e abandono, quando trocam sua fralda com a porta aberta ou quando quem está cuidando dele tem o olhar fixo no computador e não nele.

 

Se nos sentirmos atingidos, temos de pensar se a dor que sentimos é nossa ou do paciente. Se for dele, o que existe por trás desse sentimento para mim?

 

Só saberemos do sentimento do outro se perguntarmos o que ele sentiu.

 

A racionalidade está a serviço da elaboração das nossas atitudes, mas a emoção é senhora e desconhecida.

 

Não se pode fazer o bem porque pega bem. Não podemos agir para conquistar afeto. Se precisarmos ser reconhecidos como “legais”, vamos nos frustrar ou ter que sentir. Vamos dourar a pílula, pois não queremos ser criticados ou rejeitados.

 

A justificativa das pessoas que não querem falar a verdade é a incapacidade de enfrentar os efeitos da verdade, como dizer que o paciente está comprometido na sua saúde e talvez ser rejeitado por isso.

 

Os familiares costumam falar que o paciente não vai dar conta de saber a verdade, mas, muitas vezes, quem não consegue se segurar é “quem sabe que o outro sabe”.

 

Devemos interagir com maturidade com as nossas emoções e a emoção do outro.

 

Alinhamento vital/integridade

 

Não no trata da moral, mas um alinhamento da emoção, sentimento, atitude, pensamento gerando energia para lidar com o paciente, mesmo trabalhando muito, mas sentindo-se realizado com o que está fazendo.

 

Porém, se sei o que penso e sinto, mas tenho que dizer outra coisa e entro em conflito, desintegro-me e perco energia.

 

O processo de desintegração é mais facilmente atingido do que o de integração, e pode contaminar todas as existências de integração.

 

Julgamos o sucesso ou o fracasso de acordo com nosso julgamento. Interagir com a verdade que o paciente tem acesso (o que ele sabe) é levar para ele e sua família o aspecto objetivo do que o aguarda pela frente (a progressão da doença e os cuidados paliativos).

 

Como exemplo, temos uma família que disse saber que o estado do paciente era grave, mas, até a equipe de cuidados paliativos comunicar que ele evoluiu para óbito, eles não tinham consciência disso, embora tivessem condições de entender. Contudo, até que a palavra morte tenha sido dita, jamais tinha sido entendida, contemplada, e isso trazia sofrimento para o médico.

 

Na verdade, o paciente descompensou, a família levou-o ao hospital público, que queria colocá-lo na UTI, no que a família ligou para o médico de cuidados paliativos, que conversou com o médico do hospital para não colocá-lo na UTI. Ele discordou e a família percorreu três hospitais, procurando “os cuidados de conforto”, até que encontrou um pronto-socorro onde o paciente foi sedado e faleceu com a presença da família, que descreveu que ele morreu tranquilo, com a família ao lado. Observou-se que os profissionais dos cuidados paliativos sofreram mais do que a filha do paciente que deu um testemunho positivo sobre a fisioterapeuta, a enfermeira, o médico.

 

Conclusão: a integridade da experiência é de quem vive o processo, e não de quem assiste ao processo.

 

A experiência de morrer precisa ser uma experiência de dignidade que é favorecida pelo ato do cuidado, que é visto para além do que é dito: é o que você faz que demostra o conteúdo de compromisso.

 

A experiência de quem assiste à morte é completamente diferente de quem vive o processo.

 

 

Ética e conduta única

 

Escolher a atitude a ser tomada é um ato solidário.

 

Obrigar alguém a ser feliz é impossível. Cada um quer ser feliz do seu jeito.

 

Se estivéssemos em situação terminal, a maioria optaria por ter cuidados e conforto, mas se perguntarmos para os médicos, eles sugerem a intubação, UTI, mesmo que para eles preferissem cuidados paliativos.

 

É importante respeitar o outro lado. Precisamos ser ouvidos. É necessário perguntar para o paciente o que ele quer e considera de valor para ele. Isso é ter a conduta única “de escutar”.

 

A escolha da felicidade é do outro e você é o instrumento para que ele atinja seu objetivo.

 

Se alguém quer fazer eutanásia, temos que tentar entender e, se possível, encontrar um país onde essa prática é normal.

 

 

Clareza de objetivos

 

Necessitamos ter objetivos compartilhados com os pacientes:

 

– Manutenção do conforto

– Dignidade

– Significado e valor da vida em todas as dimensões

 

Em nenhum momento quem está disposto a dizer a verdade pode se sentir ameaçado por alguém que quer ouvir a verdade.

 

Como seria você viver seus últimos momentos de forma ativa, sabendo que vai ser avô, sem que olhem pra você com pena?

 

O pior sentimento que se pode ter com alguém em estado terminal é quando não se pode transcender aquilo que ele está vivendo.

 

Ser lúcido, triste, mas de forma intensa, pode fazer sentido naquela existência com a manutenção do conforto, significados e valor da vida em todas as dimensões.

 

A comunicação compassiva é uma troca.

 

 

Empatia e compaixão

 

Trata-se de dirigir a energia para quem necessita de ajuda, sem raiva, sem medo.

 

Empatia é se colocar no lugar da outra pessoa. Normalmente somos cegos com os sofrimentos dos outros. Só vemos o nosso.

 

A prática diária do cultivo do sofrimento passa pela inveja de quem está acima de nós, competição com os iguais e desprezo por quem está abaixo.

 

A atenção para essas três coisas está na raiz de toda insatisfação e infelicidade. Todas são atitudes não empáticas, e as pessoas deveriam vislumbrar a importância da “atitude de bondade”, que não resolve, mas viabiliza a resolução das coisas.

 

“Se eu usar seus sapatos posso não entender o caminho ou escolher outro caminho, mas se eu for capaz de olhar seus pés, saberei que preciso cuidar das suas feridas para que você possa seguir o seu caminho, com os seus sapatos.”

 

Isto é compaixão: um passo além com seus sapatos, aprendendo a sofrer e vestindo o espaço de quem ajuda e não de quem sofre pelo outro. É um caminhar de quem resolveu ajudar, e não carregar o outro no colo, usar o sapato do outro.

 

Não existe processo empático de alívio de sofrimento de ninguém. Existe o processo compassivo para aliviar o sofrimento das pessoas.

 

A nossa energia para cuidar da dor do próximo e nos colocar no lugar dele precisa permitir que possamos retornar para a nossa vida.

 

Não podemos sofrer o sofrimento do outro.

 

É importante conhecermos os nossos limites para nos colocarmos no lugar do outro. É preciso se sensibilizar com o sofrimento alheio e ainda manter o seu lugar de quem ajuda a aliviar o sofrimento. Ir ao encontro do sofrimento do outro e não se contaminar.

 

Colocar-se no lugar do outro não é um ato de bondade, e sim de benfeitoria, que pode ter outras intenções. Muitos tomam as dores que não lhes pertencem e querem resolvê-las à força.

 

 

Inteligência social

 

O sentimento altruísta é aquele da inteligência animal. Abrir mão do seu pensar para não fazer alguém sofrer. É da nossa natureza a conexão com o sofrimento do outro e buscar aliviá-lo.

 

A comunicação compassiva é o melhor caminho para transformar a má notícia numa oportunidade de renovação.

 

 

Bases da comunicação humana

 

A postura correta para o cuidado compassivo é perguntar ao outro: como eu posso ajudar você?

 

Devemos perguntar como é para ele passar por aquilo? Das coisas que ele está vivendo, o que mais lhe incomoda? Como é ter um câncer?

 

O paciente responde que é muito doloroso, e você pergunta: é uma dor física? Ele responde que sim.

 

Você não precisa sentir a dor física que ele sente. Você usa analgésicos potentes para aliviar a dor.

 

Se ele falar que a maior dor dele é familiar, pois sua mãe está perdendo a filha, aí você pergunta: o que você acha se eu conversar com a sua mãe para tentar ajudá-la?

 

O paciente responde: obrigado, porque você está ajudando na minha dor emocional.

 

Quando você vai falar com a mãe, ouve: a coisa que eu mais quero é estar com minha filha.

 

Você tem que ouvir as pessoas. Respeitar o sofrimento do outro significa que você não precisa viver aquela situação.

 

Quando você sente que “só eu tenho que cuidar do paciente terminal” (filha única), é importante verificar a rede social dela, porque não é certo achar que só você faria isso direito.

 

Se não existe o espaço da autocompaixão não é compaixão. É empatia. Na comunicação compassiva, despertar no paciente um espaço nele que não está doente é um caminho.

 

 

Conceitos e elementos no processo de comunicação

 

Se eu falo, eu acredito. A chance da pessoa com quem estou falando acreditar é maior, assim como é importante o meu tom de voz, olhar, etc.

 

Existem parâmetros na comunicação que me denunciam se eu não estiver falando a verdade.

 

O processo da comunicação depende da minha relação com o outro.

 

Comunicar é um processo relacional: eu estou no outro e o outro está em mim.

 

Na comunicação de más notícias, a resposta pode ser boa.

 

 

Realidade ou situação

 

– Qual canal utilizei?

– Contexto em que ocorre a situação

– Ponto de partida para interpretação da mensagem

 

Exemplo: código vermelho no hospital remete a morte, situação grave.

 

O emissor é receptor e o receptor é emissor. Há troca, interação. Mensagens verbais e não verbais, informações e emoções que queremos passar.

 

Quando nos comunicamos, nós extravasamos nossa emoção e elas não necessariamente são decodificadas da forma como planejamos.

 

 

Sinais ou símbolos utilizados na emissão da mensagem

 

A maioria dos signos humanos possui mais de uma interpretação, portanto são sinais, não símbolos.

 

Os símbolos têm uma interpretação, os sinais podem ter mais de uma. Por exemplo: profissionais de saúde usam roupa branca.

 

Os meios são veículos que utilizamos para passar mensagem, gestos, palavras, expressões faciais e adornos utilizados.

 

Na comunicação, encontram-se dois mundos diferentes de experiências vividas. Os signos intermedeiam esses mundos.

 

O conjunto organizado de signos (sinais e símbolos) entre diversas pessoas codificam a mensagem. Um conjunto organizado de signos torna-se um código.

 

Um código tem um significado para além da informação simplesmente.

 

 

Tipos de comunicação: verbal e não verbal

 

– Verbal (fala ou escrita).

– Não verbal, que se divide em:

  • Paraverbal (silêncio, murmúrios, pausas, ênfases).
  • Paralinguística (postura, expressão facial, toque).

 

As atitudes de olhar, falar ou apertar a mão podem reforçar ou destruir nossa comunicação.

 

Demonstrar nossos bons sentimentos é essencial.

 

A comunicação não verbal exala essência. Os britânicos agacham-se para falar com crianças.

 

O corpo fala. O posicionamento fala. A forma como falamos fala.

 

Alguns falam, mas suas intenções não chegam ao outro (somente 7% chegam!). Já 38% são eficazes nos sinais paralinguísticos (tom de voz, velocidade com que as palavras são ditas) e 55% são eficazes através dos sinais do corpo (expressões faciais, gestos, postura corporal).

 

O maior problema da comunicação é que não ouvimos para compreender. Ouvimos para responder.

 

Quando o outro está falando, temos que nos colocar como um vaso que recebe, que acolhe o que o outro tem para falar e depois, se necessário, elaboramos uma forma de responder.

 

Muitas vezes o outro quer somente nos falar, por isso é importante que nossa postura demonstre que nós já o acolhemos.

 

Muitas pessoas agem como se entendessem de tudo e não precisassem de resposta.

 

Lembremos que 93% da nossa postura comunica com o outro sem a nossa fala.

 

Quando nos aproximamos das pessoas para prestar um serviço, elas olham mais para nosso rosto do que para nossas mãos. Olham para perceber nossos sentimentos

 

Como profissionais, as pessoas nos valorizam por nossas atitudes. Quanto nos importamos com as situações, com afeto ao acolher o outro, ao conversar com o outro, quando o médico olha o paciente com interesse.

 

Esse olhar diz eu acolho você. A candeia da alma é o olho.

 

 

Princípios da comunicação

 

Empatia: incomodo-me com a dor do outro e coloco-me no seu lugar.

 

Devemos ter atenção para além das palavras, para a comunicação não verbal.

 

Devemos partir do reconhecimento pela biografia do outro. Quem é ele? De onde veio? Qual sua condição cultural?

 

Só assim é possível tecer uma transpessoalidade: eu o acesso e ele me acessa.

 

O silêncio fala. Todo toque envolve um aspecto afetivo (tempo, local, pressão).

 

Na nossa cultura, nossos toques são nas mãos, antebraço e ombro (cuidado com as mãos nos pés e pernas).

 

O acolhimento é feito pelo olhar.

 

Observe a postura do outro (não aguento mais tamanha invasão).

 

Os 45 centímetros que nos rodeiam são nossos.

 

Guimarães Rosa: “Mas, sendo a vez, sendo a hora, Minas entende, atende, toma tento, avança, peleja e faz” (Fonte: “Ave, palavra”. 6ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009).

 

 

A arte da comunicação

 

Entre o que eu penso, o que quero dizer, o que digo e o que o outro ouve, o que vai querer ouvir e o que você acha que entendeu, há um abismo.

 

A simplicidade para comunicar bem e com qualidade as ideias é que fazem um bom orador.

 

 

Técnicas de comunicação

 

Expressão, clarificação e validação: usar o silêncio terapeuticamente. Ouvir reflexivamente. Verbalizar a aceitação.

 

Repetir as últimas palavras ditas pelo paciente. Fazer perguntas e devolver a pergunta feita.

 

A comunicação é um processo que se constrói.

 

 

Ferramentas para a boa comunicação

 

  • Escuta ativa – Empatia e compaixão. Disponibilidade. Interesse pela pessoa, compreensão da mensagem, espírito crítico e alguma prudência na interpretação.
  • Empatia – Perceber o que o outro está sentindo. É uma habilidade cognitiva e afetiva. Nem sempre é aceitar, e sim reconhecer. Se fico bravo, é minha raiva, mas, se me “comove”, me leva a agir.
  • Compaixão – Profunda consciência do sofrimento de outrem, associada ao desejo de aliviá-lo. Abordagem proativa, motivação, virtude de aliviar o padecimento. Derramar sua emoção de forma concreta sobre o sofrimento do outro e servi-lo: “Abandonarei todas as honras, menos a de te servir.”

 

 

Cuidando por meio da comunicação

 

Quando eu me coloco diante do outro com um sorriso, de alguma forma ele está se sentindo acolhido. Ele se sente cuidado quando eu expresso intenção de servi-lo. “Cuidar é quando você me faz sentir seguro em suas mãos”. Quando explicamos o que será feito com uma linguagem acessível, isso gera segurança no outro.

 

Quando nos apresentamos (postura, roupa, cabelo, hálito), nós transmitimos uma mensagem de higiene.

 

Já com o jaleco limpo, passamos segurança.

 

É importante não infantilizar a relação (não usar diminutivos, não acreditar que o Ql do paciente diminuiu).

 

Cuidar é quando você não me vê apenas como um moribundo, e assim me ajuda a viver.

 

Valorize o que brilha (olhe primeiro no rosto). O paciente está péssimo, mas tem um lindo olho azul. Elogie. Olhe primeiro no rosto, e depois no soro.

 

“O foco do cuidado é a pessoa, e não a tarefa”. A Irmã Dulce era brava. Antes de aceitar uma doação, ela olhava no olho do doador para constatar se aquilo era uma obrigação para a alma do outro ou se aquilo era um ato de desprendimento daquilo que era do doador para doar-se.

 

A energia do ambiente é tudo.

 

Cuidar é quando faço minha família falar bem de você e sentir-se confortada na sua presença.

 

A família do paciente faz parte do contexto, ou seja, se cuida deles também, cuida de mim.

 

“Quem mais precisa é meu marido e minha filha. Eu estou bem, mas o meu problema é o sofrimento deles com a minha situação”.

 

Você, cuidador, é um portal de esperança para o contexto pessoal e familiar. Cuidadores são mais do que veículos de uma técnica. Os pacientes veem nos cuidadores (profissionais ou não) um portal que oferece conforto para eles por meio de comunicação verbal e não verbal.

 

 

Comunicação no processo de qualidade

 

Comunicar é estar com o outro, entendê-lo e fortalecer o que ele tem de melhor.

 

Se eu comuniquei, eu me permiti sentir ou ouvir e contemplar a emoção compartilhada pelo outro, e não necessariamente o que se compartilhou pela fala.

 

Não devemos estereotipar situações e pessoas. Por exemplo, falar que todo doente cardíaco é estressado.

 

Precisamos reconhecer se temos consciência das sinalizações humanas. Existem momentos em que estamos cansados. Será que esse é o melhor momento para comunicar? Será que consigo perceber as sinalizações de cansaço do outro? De repúdio do outro?

 

Entender o outro é fortalecer o que ele tem de melhor é comunicar: estar, entender e fortalecer.

 

Através da comunicação compassiva, temos a oportunidade de fazer com que o outro, mesmo na sua fragilidade, sinta-se grande. Isso vai da quantidade que eu permito derramar daquilo que para mim gerou alguma forma de emoção e transformar também de alguma forma a vida do outro.

 

 

Consciência transformadora para comunicação de notícia difícil

 

Enquanto há vida, há esperança de comunicação com os outros.

 

Comunicação em cuidados paliativos é criar laços.

 

É a consciência humana que cria conexões, e é preciso o cuidador amar.

 

Compaixão é o manto da humanidade. A compaixão é o principal ingrediente para a comunicação de uma notícia difícil. Compaixão: o bendito sentimento da ação.

 

A compaixão dá conta de tudo. Ter compaixão é poder viver com alguém a sua infelicidade, mas é também sentir com esse alguém qualquer outra emoção: alegria, angústia, felicidade, dor.

 

A compaixão designa, portanto, a mais alta capacidade de imaginação afetiva. É a arte da telepatia das emoções.

 

Na hierarquia dos sentimentos, a compaixão é o sentimento supremo.

 

Quando encontra o sentimento, o sofrimento encontra também amor, beleza, gratidão, riqueza, pertencimento, coragem e fluidez (leveza).

 

A prática dos cuidados paliativos dá-se quando vamos colocar o manto em alguém terminal. Temos que nos colocar num plano de elevação com graça e coragem. A presença do manto compassivo acolhe a comunicação de notícias difíceis, antes vista como um limite e agora se apresenta como possibilidade, transformando casos clínicos e relatórios em vida, amor, esperança, significado e sentido.

 

 

Compaixão e o manto da humanidade

 

A comunicação é uma caminhada, um processo. Aproximadamente 90% da comunicação é não verbal. O paciente e seus familiares querem saber a verdade. Quando você quiser se comunicar com alguém, olhe bem nos seus olhos, para a pessoa poder enxergar você, fale baixo para ela poder escutar, fale pouco, para ela poder compreender.

 

Use afirmações afetivas: “posso ver como isso lhe entristece”, “percebo que você não esperava por isso”, “sei que esta não é uma boa notícia para você”, “sinto ter que lhe dizer isso”, “isso também é muito difícil para mim”, “eu também esperava um resultado melhor”.

 

Essas palavras devem ser ditas com compaixão.

 

Use perguntas exploratórias, como “o que você quer dizer?”, “conte-me mais sobre isso”, “você poderia me explicar o que quer dizer?”, “você disse que isto lhe assustava”, “você pode me dizer o que lhe preocupa?”, “você me disse que se preocupava com seus filhos. Fale mais sobre isso”.

 

Da mesma forma, procure usar respostas que reasseguram: “Posso entender como você se sente”, “imagino que qualquer um teria a mesma reação”, “você estava perfeitamente correto em pensar desta maneira”, “muitos outros pacientes tiveram uma reação semelhante”, etc.

 

 

Prudência e cuidado

 

Prepare-se para o encontro: consciência de si próprio, da doença, da pessoa, da família, da equipe, da comunidade e do entorno do paciente.

 

Seja cuidadoso: acolha. Em todos os momentos temos que transmitir o acolhimento compassivo.

 

É o paciente que vai dizer como nós podemos entrar, até onde e quando teremos que silenciar.

 

A conversa deve estar permeada de verdade, de honestidade, de coragem.

 

Existe uma verdade estampada no nosso rosto e no nosso coração e ela precisa ser dita dentro da permissão do paciente.

 

Sempre deve existir compreensão e conexão: ora um vai para o lado da esperança, ora para o lado do medo. Se mostrarem o medo, acolha o medo. Se falarem que há esperança, devemos acolher dizendo: “isso é o que eu mais desejo” “isso é uma verdade”, “você não estará mentindo”.

 

O paciente responde que vai ser difícil. Resposta: “sim, vai ser difícil, mas nós estamos juntos, estou com você”.

 

Pilares: “estar lá”, “eu me importo” , “vamos juntos”.

 

A compaixão é uma relação entre iguais, e não de um cuidador com alguém ferido.

 

A habilidade comunicacional e relacional carece de sua sinceridade: são seus fracassos, medos, conflitos e sentimentos de isolamento, fragilidade e insegurança que farão você melhorar ao longo do tempo.

 

O criar e brilhar transbordam protocolos: você é o “jardineiro mensageiro”, você é a boa notícia (o ramalhete humano).

 

 

Pirâmide de Maslow em cuidados paliativos

 

O que mais o paciente necessita é ser ele mesmo no final da vida.

 

Podemos descobrir um sentido na vida, mesmo quando nos vemos em uma situação sem esperança.

 

Pirâmide de Maslow:

 

– Controle de sintomas angustiantes: dor, fome, sede, diarreia, náusea, obstipação, falta de ar e boca seca.

– Teme pela segurança física de abandono ou de morrer: transmitir segurança ao paciente.

– Afeição, amor e aceitação em face da doença devastadora: já agregou o valor que aceita a situação.

– Estima, respeito e apreço pela pessoa (valorização): o paciente sente-se amparado e estimado. Vai se realizar em detrimento de ter uma doença terminal. Sua vida adquire uma potência, uma vitalidade maravilhosa e transcende.

– Realização: teve o controle dos seus sintomas, sente-se seguro e afetivamente amparado, estimado.

 

 

Alicerces da comunicação compassiva

 

Primeiro passo: consciência.

 

Enquanto não soubermos lidar com “nossas” dores que surgem na comunicação compassiva, não podemos ir em frente. Trilhar o caminho é diferente de conhecer o caminho.

 

Temos a tendência de achar que o que está seguro é aquilo que acontece como rotina, mas estamos sempre nos transformando.

 

Temos que ir ao encontro do outro com aquilo (qualidades) que temos de sobra. Não podemos buscar no outro uma validação daquilo que somos. Não precisamos de validação quando sabemos quem somos.

 

Se não vamos em direção ao outro, temos que saber quem éramos antes desse encontro. Quando não sabemos quem somos, temos inveja de quem está acima, competimos com os iguais e desprezamos quem está abaixo. Essas três coisas estão na raiz de toda infelicidade.

 

Nós não sabemos quem somos e achamos que podemos fazer o outro aceitar aquilo que ele está vivendo…

 

Quem está vivendo o processo terminal não acha as mudanças estranhas. Muitas vezes o paciente tem mais paz de estar onde está do que nós ao assistirmos ao que ele está vivendo.

 

Segundo passo: conexão com o outro.

 

Agora que sabemos quem somos, vamos nos conectar com o outro. Entrar em conexão com o outro numa partilha do tempo em que ele está é entrar no tempo dele. Nós nutrimos o outro com a nossa essência (amor).

 

A nossa essência é nosso jeito de amar, demonstrar o amor.

 

O paciente terminal geralmente torna-se muito amoroso no final da vida. É como se o elemento ar fosse liberado e levasse o paciente à consciência da sua essência potencialmente boa, que permeia a criação humana.

 

Terceiro passo: compromisso.

 

Uma vez que nós temos consciência de quem somos, conseguimos nos conectar com o sofrimento do outro sabendo resolver os nossos sofrimentos primeiro. Quando conseguimos reconhecer os caminhos para resolver nosso sofrimento, já intuímos como resolver o sofrimento dos outros. Quando respiramos o nosso sofrimento, sabemos “o nome dele”, mas com relação aos outros, não o sabemos, a não ser apenas que é denso, pesado e difícil.

 

Quando estabelecemos conexão com o outro, criamos um vínculo de amor.

 

A comunicação compassiva não é uma relação entre “cuidador e doente”, mas sim “uma relação entre iguais”. Uma conexão entre iguais nos permite entrar em contato com a nossa essência e a do outro unidas por uma ponte de amor entre pessoas que se conectam dessa forma, e aí se estabelece o terceiro passo, que é o compromisso.

 

O espaço entre a casa do cuidador e do assistido, muitas vezes, é poluído, pois o nosso pensamento é uma rua suja, muitas vezes se você não é feliz no caminho que está percorrendo para o trabalho a rua vai ser suja (em sentido figurado) e você vai chegar ao local de atendimento e achar que tudo que você viu de sujeira está ali aonde você chegou para prestar serviços.

 

No trabalho tem dor, sofrimento, desamparo, e, muitas vezes, não estamos preparados para lidar com a “rua suja”, que continua imensa na nossa cabeça. Nunca devemos pensar na rua inteira, e sim apenas no passo seguinte, na respiração seguinte, e continuar pensando no que vem a seguir. Fazendo assim, temos prazer, o trabalho sai bem-feito, e, de repente, percebemos que, passo a passo, chegamos ao fim da rua cumprida, sem perder o folego quando estamos em contato com o sofrimento do outro.

 

Vai haver momentos em que vamos crescer e outros em que vamos minguar, nos sentindo desconfortáveis naquele espaço que é do paciente. Temos que abrir os olhos e viver o momento presente, que pode parecer um espaço apertado, mas é o espaço onde você volta a se conectar consigo mesmo, com sua consciência.

 

Quando nos perguntamos “para que lado eu vou?” é o momento de nos conectarmos com nós mesmos, tendo consciência de quem somos.

 

Quarto passo: curiosidade

 

“O mundo depende da oferta e da aceitação de atos de bondade.”

 

Temos que escolher o rumo. A conexão com o outro vai levar você para um lugar inexplorado.

 

É uma direção a ser tomada. Não tem um caminho muito claro. Você precisa ir naquela direção e não pode ter medo.

 

É preciso ser muito curioso e ter coragem para abrir os caminhos que surgirão após essa decisão.

 

Aonde vai dar aquela luz? Sabe a luz que você acendeu no seu coração? Aonde vai dar? Você precisa seguir esse compromisso com o ser humano.

 

Para onde eu vou? Isso depende bastante de aonde você quer chegar. O lugar não importa muito. Então não importa o caminho que você vai tomar. Quando você pergunta para o paciente aonde você tem que ir, tem que saber aonde você não quer ir.

 

Quando fizer uma pergunta aberta ao paciente, você tem que saber que está indo na direção da usina dele, do coração dele, da essência dele.

 

Se você perguntar só por perguntar, a essência não vem.

 

É preciso saber aonde você quer chegar e se quer chegar à essência do outro. Há o exemplo da senhora com tranças no cabelo que foi ensinada que as tranças evitam a morte. Após muita resistência em aceitar o diagnóstico terminal, ela solta os cabelos. É a linguagem dos pacientes.

 

Nesse caso, a coragem de destrançar os cabelos.

 

Quinto passo: compaixão.

 

É preciso entender a compaixão também tecnicamente.

 

O processo é empático: você se colocar no lugar do outro, usar os sapatos do outro, olhar para os pés do outro e cuidar das feridas. Eu vou deixar que você vista o seu sapato (que não sou eu quem deve vestir).

 

Siga o seu caminho com menos dor. O meu papel é usar os meus sapatos, é o papei de quem cuida, de quem ajuda a aliviar a dor dessa caminhada, que não é minha, mas eu sei como cuidar das feridas.

 

Isso é compaixão.

 

A empatia é ir a um passo além do seu sapato, além de aprender a sofrer. Mas ela nunca vai ser suficiente.

 

É necessário primeiramente revermos nossas próprias histórias (primeiro passo), depois desconstruir as histórias que não pertencem a nós (segundo passo). Não podemos viver o sofrimento que não é nosso (fadiga de compaixão é um termo impróprio, pois é a empatia que cansa os cuidadores, e não a compaixão). A empatia cansa porque você tem que se colocar no lugar do outro e voltar para o seu lugar. Você pode se sentir feliz com a alegria do outro ou angustiado pela dor do próximo.

 

Sentir empatia é o primeiro passo na construção de uma conexão social e nela é importante que você “sinta pelo outro, mas não se confunda com o outro”.

 

Depois que a empatia estabelece a conexão entre nós, o segundo passo da hierarquia pode divergir. Processos de sofrimento empático ou compaixão e preocupação empática são dependentes da nossa capacidade de diferenciação entre “nós mesmos”.

 

A observação da angústia em outras pessoas pode:

 

– Levar à preocupação empática e à motivação altruísta (ajudar a pessoa a sair daquela situação);

– Manter-nos na angústia pessoal e nas emoções egocêntricas (eu não aguento ver o sofrimento do meu marido).

 

O primeiro passo é a consciência: eu sinto pelo outro, mas não me confundo com ele. Sei que a emoção que estou sentindo não é a minha. É do outro.

 

Não podemos querer resolver o problema do outro, porque você não quer a dor para você, e sim para o outro. Exemplo: a família pede para sedar o familiar doente porque “eu não aguento ver isso”.

 

 

A empatia boa e a empatia ruim

 

Boa – Compaixão empática (emoções e pensamentos positivos, interação com o outro para ajudá-lo a passar por isso).

 

Ruim – Estresse empático (emoções afetadas, sentimentos negativos, estresse, piora da saúde, burnout).

 

Na medida em que nos sentimos oprimidos pela própria dor, por exemplo, solicitando para intubar nosso familiar, o resultado é o sentimento de angústia empática pela resposta agressiva no processo, pois se deseja retirar do processo para se proteger.

 

A desculpa é que a família não vai se acostumar aos cuidados de conforto.

 

Em contraste com a empatia, a compaixão caracteriza-se por sentimentos de afeto, preocupação e cuidado pelo outro, bem como uma forte motivação para melhorar o bem-estar do outro.

 

A compaixão vai além de sentir com o outro, para sentir pelo outro.

 

Ao contrário da empatia, a compaixão aumenta a atividade cerebral envolvida na recompensa dopaminérgica e nos processos aflitivos relacionados à oxitocina e aumenta as emoções positivas em resposta a situações adversas.

 

A compaixão não cansa. Ela é neurologicamente rejuvenescedora. Você tem mais força para lidar com as coisas quando você tem um cérebro compassivo.

 

O doente sente-se apoiado no sofrimento, ganhando “coragem”.

 

Fonte:

DRA. Ana Cláudia Arantes.

 

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