O tema depressão está cada vez mais presente, seja em um parente próximo, seja no noticiário ou quando sentimos uma tristeza e falta de motivação em nossas vidas.
Nessa entrevista exclusiva, o psiquiatra Clóvis Alexandrino nos revela uma visão atual, realista e que aponta caminhos para enfrentar a depressão, um mal dos nossos tempos.
SEMPRE JOVEM: o que é a depressão e como podemos identificar a sua presença?
CLÓVIS ALEXANDRINO: A depressão é uma síndrome clínica heterogênea, caracterizada por alterações do humor, da psicomotricidade, da cognição e dos processos vegetativos. Nem sempre se apresenta com as características sintomatológicas clássicas: perda de peso e apetite, lenhificação psicomotora, insônia, falta de ânimo e prazer, dificuldade de concentração, pensamentos de morte. Muitas vezes, os sintomas físicos – como a dor, por exemplo-podem ser mais proeminentes do que os sintomas clássicos, sem que a pessoa perceba que está deprimida, por não se sentir triste. Pode também ocorrer a manifestação de sintomas atípicos da depressão, como aumento do peso, apetite e sono.
SJ: Qual a causa da depressão e sua prevalência entre os Seniores com mais de 60 anos?
CA: A depressão não tem uma causa única. A associação de fatores genéticos, biológicos e ambientais pode contribuir para o seu aparecimento. Desse modo, por exemplo, uma pessoa que seja predisposta à depressão pode, em dado momento, desenvolvê-la tendo como gatilho um estressor do meio ambiente. Uma meta-análise realizada com mais de 15 mil sujeitos com 60 anos ou mais na comunidade brasileira, observou prevalência ao longo da vida de 7% para depressão, o que nos permite concluir que aproximadamente ou já tiveram depressão.
SJ: Quais são os fatores de risco para depressão em Seniores? Por que a prevalência de depressão é maior nos tempos atuais?
CA: Há muitos fatores de risco para a depressão nessa faixa etária: o sexo feminino é mais vida e a maior chance de exposição a esses estressantes, como o aumento da violência, insegurança social, poluição, do tráfego, desemprego, em um momento histórico de rápidas transformações nas estruturas sociais, podem ajudar a entender o aumento da prevalência observado nos dias atuais.
SJ: É comum ouvirmos que a depressão é a doença da moda, uma criação dos tempos modernos? O que o senhor diz a esse respeito?
CA: Quem assim pensa, ignora a própria história. Uma breve consulta ao Antigo Testamento trará relatos claros sobre personagens que apresentaram depressão -embora naquela época não fosse assim chamada. A trajetória do rei Antíoco Epifanes (215-162 a.C.), por exemplo, descrita em I Macabeus, não deixa dúvidas quanto ao governante que, em dado momento de sua vida, começou a se sentir “aturdido” e “agitado”, cuja “tristeza se renovava continuamente”, chegando “a pensar que estava a ponto de morrer”; “sumiu o sono dos” seus “olhos”, seu “coração” ficou “abatido pela inquietação”- evolução e descrição claras de um episódio depressivo. Nabucodonosor, que conquistou o reino de Judá em 586 a.C., e Ana, esposa de Elcana, também exemplos contidos no livro sagrado dos judeus que evidenciam a presença da depressão há alguns milênios.
SJ: Comenta-se que, deprimidos são pessoas fracas, acomodadas e que, se realmente tivessem com o que se preocupar, não estariam assim? Qual a sua opinião a esse respeito?
CA: O preconceito e a ignorância geram toda espécie de opiniões e comentários, sem fundamento algum. A depressão é um transtorno reconhecido em todo o mundo pela medicina, representando um grave problema de saúde pública. Não há povos ou culturas que dele estejam imunes. Deprimidos não são pessoas fortes nem fracas. São indivíduos em sofrimento, que necessitam de auxílio e tratamento, do mesmo modo que os sujeitos com diabetes, hipertensão ou doença coronariana.
SJ: Quando é indicado o uso de medicamentos antidepressivos e da psicoterapia no tratamento da depressão?
CA: A avaliação do psiquiatra é que possibilitará a escolha do tratamento mais adequado. Há episódios de depressão, especialmente os leves, em que o acompanhamento psicoterápico ou o tratamento medicamentoso, isolados, podem ser a indicação mais precisa; porém, em quadros moderados a graves, a associação de antidepressivo com psicoterapia pode constituir o tratamento de eleição. De acordo com cada caso, isoladamente ou em conjunto, as medicações e a psicoterapia contribuem para o alívio do sofrimento do paciente e para a remissão do episódio depressivo.
SJ: Podemos dizer que, atualmente, há muitas pessoas que são tratadas para a depressão sem necessidade?
CA: Estudos rigorosos conduzidos no Brasil e em outros países do mundo revelam que uma parcela significativa da comunidade que apresenta depressão não recebe nenhum tipo tratamento ao longo da vida, seja porque nunca foi de diagnosticada, porque não tem acesso ao serviço
SJ: Os antidepressivos são medicações “tarja preta”, que causam dependência, e são usados por toda a vida?
CA: Há grande confusão entre antidepressivos e benzodiazepínicos (os conhecidos “calmantes” ou ansiolíticos). Os antidepressivos diminuem os sintomas da doença, melhoram a qualidade de vida, diminuem as complicações do transtorno e previnem recaídas. Há indicação precisa do momento de se introduzir o medicamento e de retirá-lo, de acordo com a evolução do paciente. Já as chamadas medicações “tarja preta” (benzodiazepínicos), podem diminuir os sintomas relacionados à ansiedade, por exemplo, mas não a tratam, devendo ser cautelosamente prescritas pelos médicos e, de referência, em curto prazo, pelo seu potencial de causar dependência.
SJ:O esporte pode auxiliar na prevenção do transtorno depressivo?
CA: Os indivíduos que praticam atividade física apresentam menores índices de depressão, aumento da autoestima, da sensação de bem-estar e diminuição da ansiedade. Há evidências em neuroimagem de que o exercício aeróbio pode provocar mudança no volume cerebral de sujeitos com mais de 60 anos, contribuindo para a saúde do sistema nervoso central e o funcionamento cognitivo.
SJ: Podemos estabelecer alguma relação entre a prece e a nossa saúde mental?
CA: A prece, quando dirigida a um poder superior, como voto de confiança e entrega sincera dos nossos corações, e não como espera da satisfação dos nossos desejos, pode ter resultados positivos em nossa capacidade de enfrentamento das adversidades. A prece parece diminuir as complicações após procedimentos cirúrgicos coronarianos e está diretamente associada com melhora do otimismo e com diminuição do estresse no pré-operatório.
SJ: Qual a influência da prática de valores morais, como a bondade, humildade, compaixão, e do afeto positivo em nossa saúde?
CA: O exercício cotidiano dos valores morais permite ao indivíduo adquirir maior capacidade de resiliência e enfrentamento das dificuldades de sua existência. O afeto positivo, como a esperança e o amor à vida, por exemplo, associa-se ao menor risco de mortalidade, de incapacitação física e menor chance de ocorrência de eventos cardiovasculares.
SJ:A imposição das mãos ou o chamado toque terapêutico pode interferir em nosso psiquismo e em nosso mundo orgânico?
CA: Essa prática tem sido foco de interesse em pesquisas, e há resultados que apontam para redução dos sintomas comportamentais em pacientes com demência (como diminuição do estresse e da agitação), e diminuição da dor em pacientes com câncer, por exemplo. Estudos experimentais in vitro observaram aumento das células humanas em culturas, síntese de DNA e aumento dos níveis de hemoglobina e hematócrito no sangue.
SJ: A caridade e o voluntariado contribuem para a boa saúde física e mental?
CA: Nesse campo de ação encontram-se as mais fortes evidências de que aqueles que praticam a caridade reportam melhor saúde, bem-estar e satisfação com a vida. O voluntariado e os anos exercendo a caridade estão associados com menor mortalidade, menor incapacitação funcional e maior prática de exercícios. Parece haver uma relação inversa entre voluntariado e depressão, e os indivíduos que já se aposentaram se beneficiam mais da atividade voluntária como alternativa à aposentadoria.
Fonte:
Clóvis Alexandrino da Silva Junior, Médico Psiquiatra Doutor em Medicina pelo Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP.