A RELACÃO DO HOMEM E DA MULHER MADUROS

NESTA ENTREVISTA, O RENOMADO PSICOTERAPEUTA FORNECE INFORMAÇÕES VALIOSAS SOBRE O FUTURO DAS RELACOES BEM-SUCEDIDAS ENTRE HOMENS E MULHERES E ATÉ MESMO SOBRE A REAL POSSIBILIDADE DE CURTIR A SOLIDÃO, QUE PARA MUITOS É SINONIMO DE SOFRIMENTO.

 

COM SUA VASTA EXPERIÊNCIA, FLÁVIO GIKOVATE TRAÇA UM PARALELO ENTRE A EVOLUÇÃO DAS PARCERIAS QUE ALMEJAM A FELICIDADE NO CONTEXTO DO MUNDO MODERNO ONDE A TECNOLOGIA SE APRESENTA COMO UMA ALTERNATIVA DE CONVIVIO.

 

Poderia, Dr. Flávio, resumir a tese de que os opostos se atraem e contextualizá-la para os casais na maturidade?

 

Para entender esse dilema, é preciso fazer uma reflexão. Para se sentir completa, a pessoa busca um oposto. Muitos casamentos entre opostos, com a ideia de fusão, ainda vão acontecer antes que as pessoas se deem conta de que não dá mais para insistir nesse tipo de relacionamento. A necessidade de independência vem desde cedo no ser humano. Só que mudaram as prioridades. Antes, o amor ganhava da individualidade porque não havia o que fazer com a individualidade. Não tinha televisão, meio de transporte. Hoje temos inúmeras tecnologias, cem canais de TV que facilitam os momentos de lazer, o computador, o iPod para ouvir música sozinho. Ou seja, a individualidade é um bem precioso, de que ninguém quer (e não deve) abrir mão para viver com alguém. 

 

O maior erro num relacionamento é escolher parceiros que são o oposto de nós.

 

Generosas se ligam a egoístas; extrovertidos se ligam a recatadas; boêmios se ligam a pessoas de vida diurna e assim por diante. Em geral, pessoas com “boa dose de autoestima” costumam ser egoístas. E pessoas com baixa autoestima tendem a ser generosas. As duas posturas derivam da imaturidade emocional, portanto não são adequadas. O generoso não é nenhum bonzinho. Ele dá mais do que recebe, mas cobra por isso. O egoísta não tolera frustrações e contrariedades. Se o egoísta tenta dominar pela intimidação, o generoso tenta dominar pela competência.

 

Isso forma uma trama diabólica, que se perpetua ao longo das histórias de gerações. A sociedade criou o individualismo para acabar com a dualidade egoísmo-generosidade. Esse novo contexto vai formar o justo, que é o indivíduo que dá e recebe na mesma medida. Ele troca, não dá com o intuito de dominar, nem recebe de uma forma parasítica.

O justo terá mais chance de manter um bom relacionamento.

 

Por incrível que parece, os mais maduros estão conseguindo enxergar melhor esse novo cenário e caminham para uma relação mais justa. Os relacionamentos estão mudando. De forma lenta, é verdade, mas estão mudando. O número de pessoas que busca parceiros afins, com os quais possam estabelecer uma relação de companheirismo, lealdade e confiança recíproca (exatamente como nas amizades sinceras), tem aumentado. Relações desse tipo são estáveis, duradoras e correspondem ao que chamo de + amor, único tipo de relacionamento capaz de sobreviver a um mundo em que cada vez é mais interessante ficar sozinho. Um relacionamento em que a individualidade de cada um é respeitada.

 

Por que não devemos ser uma metade procurando a outra para formar um inteiro?.

 

O amor é um sentimento que temos pela pessoa cuja presença provoca em nós a sensação de paz e aconchego que perdemos ao nascer.

 

O nascer é uma ruptura que gera desamparomas,vez por outra, nos sentimos inseguros e corremos atrás do aconchego físico materno. A impressão de ser uma “metade”, portanto, nos acompanha desde o nascimento, porque nascemos fundidos a outro ser-a mãe. O problema é que essa sensacão de que falta alguma coisa não pode ser preenchida por outra pessoa. Temos de entender que não somos metade. Ninguém precisa de outra parte para se completar. Nossa situação de incompletude tem de ser resolvida internamente, sem repassar ao outro a responsabilidade desse vazio. Os relacionamentos que vão durar são aqueles que aproximarem duas pessoas inteiras, e não duas metades.

 

mas,vez por outra, nos sentimos inseguros e corremos atrás do aconchego físico materno. A impressão de ser uma “metade”, portanto, nos acompanha desde o nascimento, porque nascemos fundidos a outro ser-a mãe. O problema é que essa sensacão de que falta alguma coisa não pode ser preenchida por outra pessoa. Temos de entender que não somos metade. Ninguém precisa de outra parte para se completar. Nossa situação de incompletude tem de ser resolvida internamente, sem repassar ao outro a responsabilidade desse vazio. Os relacionamentos que vão durar são aqueles que aproximarem duas pessoas inteiras, e não duas metades.

 

Essa sensação só se atenua com a reaproximação física da mãe. Assim, a mãe é o nosso primeiro objeto de amor. Quando crescemos e nos tornamos independentes, queremos nos entreter com outras coisas, mas, vez por outra, nos sentimos inseguros e corremos atrás do aconchego físico materno. a impressão de ser uma “metade”, portanto, nos acompanha desde o nascimento, porque nascemos fundidos a outro ser – a mãe. O problema é que essa sensação de que falta alguma coisa não pode ser preenchida por outra pessoa. Temos de entender que não somos metade. Ninguém precisa de outra parte para se completar. Nossa situação de incompletude tem de ser resolvida internamente, sem repassar ao outro a responsabilidade desse vazio. Os relacionamentos que vão durar são aqueles que aproximarem duas pessoas inteiras, e não duas metades. 

 

Pela sua experiência, o que é uma relação saudável entre um homem e uma mulher?

 

Com base nos atendimentos que faço e nas pessoas que conheço, não passam de 5% os casais que vivem felizes.

 

A imensa maioria é a dos malcasados. São indivíduos que se envolveram em uma trama nada evolutiva e pouco saudável. Vivem relacionamentos possessivos em que não há confiança recíproca nem sinceridade. Por algum tempo depois do casamento, porque ganham filhos e se estabelecem profissionalmente. Porém, lá entre sete e dez anos de casamento, eles terão de se deparar com a realidade e tomar uma decisão drástica, que normalmente é a separação.

 

No futuro, ou existirão relacionamentos afetivos de ótima qualidade, onde os casais aprenderão a desenvolver uma vida sexual igualmente rica, ou então existirão pessoas solteiras, vivendo o sexo como fenômeno pessoal. Não vejo futuro para as relações de qualidade média. 

 

Quem procura o seu oposto está buscando a tal “metade”, alguém para preencher uma sensação de incompletude. Essa sensação, contudo, não pode ser preenchida por outra pessoa. Temos que nos resolvermos em nós mesmos antes de nos unirmos a alguém.

 

A união terá de acontecer entre pessoas com afinidades, com planos e projetos semelhantes, e não entre opostos como geralmente acontece.

 

Explique como enfrentar a solidão e ser feliz sem depender do outro?

 

Há muitos solteiros felizes. A maioria leva uma vida serena e sem conflitos. Quando sentem uma sensação de desamparo, aquele “vazio no estômago” por estarem sozinhos, resolvem a questão sem ajuda. Mantêm-se ocupados, cultivam bons amigos, leem um bom livro, vão ao cinema. Com um pouco de paciência e treino, driblam a solidão e se dedicam às tarefas que mais gostam. Os solteiros que não estão bem são, geralmente, os que ainda sonham com um amor romântico. Ainda possuem a ideia de que uma pessoa precisa de outra para se completar. A solidão é boa, ficar sozinho não é vergonhoso. Ao contrário, dá dignidade à pessoa. As boas relações afetivas são parecidas com “o ficar sozinho”, ninguém exige nada de ninguém e ambos crescem. Viver sozinho é um bom estágio para dar início a uma relação madura. Pode ser que a pessoa goste tanto dessa condição que decida não investir mais em relacionamentos.

 

O ser humano realmente não se conforma com sua insignificância?

 

O amor pode prestar um serviço essencial à nossa subjetividade atormentada. Além de atenuar a dolorosa sensação de desamparo que nos acompanha desde o primeiro instante de vida, pode aliviar muito essa sensação de insignificância cósmica que nos alcança como uma parcela quase nula do universo. Acredito que um dos elementos que tanto nos prendem à vaidade é o fato de que ela, por nos fazer nos sentirmos importantes perante os que nos cercam – e para o ser amado de forma muito especial -, alivia esse desconforto relacionado com a nossa irrelevância. Nossa importância absoluta é praticamente inexistente. Porém, a relativa, aquela que nos posiciona em relação aos nossos pares, pode ser de bom tamanho – e isso nos faz muito bem. Em relação ao ser amado, somos únicos, especiais e absolutamente indispensáveis, o que nos faz nos sentirmos ainda melhor.

 

O que é preciso para renovar um casamento com as transformações ocorridas com o homem e a mulher na maturidade?

 

A passagem de uma relação convencional para uma relação de + amor, que eu defendo, é lenta e progressiva. Tem um momento que dói. Um dos dois vai reclamar primeiro do sufoco. O outro vai ficar ofendido, mas vai aproveitar para afrouxar o vínculo também. Momentaneamente há uma crise. Mas casais que se gostam mesmo, que se respeitam, que têm afinidade, passam por essa crise. E reconstituem a aliança em termos mais individualizados. Entendem que, se um não gosta de ópera, não tem por que ir com o outro e ficar dormindo durante a apresentação. Se a mulher não gosta de futebol, não tem por que ficar ao lado do marido entediada. 

 

A falta de compreensão sobre o que de fato representa viver em comunhão é o grande problema dos relacionamentos em qualquer fase da vida.

 

E, definitivamente, não é fazendo concessões e sufocando a individualidade que as relações vão se sustentar. O divórcio é fruto desse desentendimento. A maioria dos divórcios é de iniciativa da mulher. Porque casamentos de má qualidade são mais desgastantes para ela, que é quem culturalmente faz mais concessões no relacionamento.

 

Quais seus conselhos para que os Sêniores mudem (se reciclem) nessa fase da vida?

 

A mudança é sempre bem vinda, principalmente no que diz respeito aos relacionamentos. No primeiro momento, pode ser difícil, mas é preciso entender que o mundo não é estático. Temos de tirar vantagens das mudanças em vez de lamentar. As vantagens são muitas: avanço moral, avanço da capacidade de viver sozinho, aprender a resolver a situação de incompletude em si mesmo e não imaginar que isso vai se resolver por meio do outro.

 

O que mais devemos evitar é a postura conservadora de querer fazer prevalecer atitudes que não estão mais em concordância com a realidade – e que foi modificada por força da própria ação humana.        

 

O que significa a sua afirmação de que a “única saída para a plena realização pessoal está no amor pleno, no encontro de duas criaturas”?

 

Para ter uma relação de qualidade, é preciso encontrar um parceiro com o qual valha a pena jogar o jogo da vida em dupla. Deixa de ser necessário e passa a ser uma escolha. Mais do que isso: uma possibilidade, porque depende de encontrar o parceiro. E, claro, tem de ter afinidade, principalmente intelectual, para compartilhar projetos, filhos, profissão.

 

As relações serão mais parecidas com a amizade, porque é aproximação de duas unidades, não a fusão de duas metades.

 

As relações afetivas estão passando por profundas transformações e revolucionando o conceito de amor. O que se busca hoje é uma relação compatível com os tempos modernos, na qual exista individualidade, respeito, alegria e prazer de estar junto, e não mais uma relação de dependência, em que um responsabiliza o outro pelo seu bem-estar. Quando há qualidade, as chances de os relacionamentos durar são bem maiores. Mesmo com muita experiência e idade, algumas pessoas têm dificuldade de atingir a maturidade. A maturidade emocional é uma conquista, você aprende a dar na mesma medida em que recebe. E isso inclui trabalhar a individualidade. Quem se acostuma a viver vários relacionamentos que acabam não dando certo está insistindo nessa noção de amor antiquada, que não leva em conta que o mundo mudou. A mulher tornou-se independente econômica e sexualmente e pôs fim à estabilidade conjugal. Há também o avanço tecnológico, que propicia ainda mais a individualidade. Quem ignora esses avanços, continua procurando um parceiro que seja o seu oposto para se sentir completa. Voltamos à relação problemática de unir duas metades quando deveriam ser dois inteiros. Quanto mais o indivíduo for competente para viver sozinho, mais preparado estará para uma boa relação afetiva.

 

Fonte:

Flávio Gikovate, Psicoterapeuta e autor de mais de 30 livros,entre eles Nós,os Humanos (MG Editores).

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