Alzheimer: o que vai mudar?

A notícia da chegada de um remédio exclusivo para tratar a doença é recebida com alegria.
Contudo, apesar da aprovação pela agência reguladora dos Estados Unidos, ainda faltam evidências de eficácia e segurança no tratamento, alertam especialistas

 

Entre as enfermidades conhecidas como demência, a doença de Alzheimer é o tipo mais comum. De acordo com a Sociedade Brasileira de Gerontologia e Geriatria, estima-se que existam mais de 45 milhões de pessoas com demência no mundo, número que equivale à população de países como Espanha e Argentina, com o agravante de que 70% desses casos podem ser diagnosticados como doença de Alzheimer, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Com o envelhecimento cada vez maior da população mundial, as entidades médicas preveem que esse número global deva duplicar a cada 20 anos. No Brasil, atualmente os dados mostram que 1,5 milhão de brasileiros idosos têm a doença.

 

Expectativas frustradas

 

Em julho de 2021, a notícia de que a agência reguladora norte-americana Food and Drug Administration (FDA) tinha aprovado o primeiro medicamento exclusivo para o tratamento de
doença de Alzheimer, o aducanumabe, trouxe esperança. A aprovação, no entanto, chegou acompanhada de muita polêmica. Além da falta de eficácia do fármaco para as formas mais
graves da patologia, o comitê consultivo constatou falta de segurança nos testes das dosagens mais altas. Motivo: 40% dos participantes do estudo apresentaram efeitos colaterais, como inchaço e sangramento do cérebro, vistos em exames de imagem.

 

Entidades médicas brasileiras, apesar de considerarem a aprovação de aducanumabe um marco promissor, o que não acontecia desde 2003, ainda encaram com cautela a sua prescrição para pacientes caso seja aprovado pela Anvisa. Para a Academia Brasileira de Neurologia (ABN), os dados das pesquisas e dos testes apresentados ao FDA deixam incertezas a respeito dos benefícios clínicos. “Nos dois estudos apresentados ao FDA, apenas um deles mostra uma melhora na avaliação dos exames de imagem dos pacientes, mas sem mostrar nenhum resultado objetivo e evidente de benefício clínico”, diz o neurologista Denis Bernardi Bichuetti, professor da disciplina de Neurologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp) e membro titular da ABN.

 

Por enquanto, o tratamento parece apenas retardar a progressão da doença, sem que haja um real efeito curativo. “O medicamento em questão é um anticorpo monoclonal que atua sobre o acúmulo de proteína beta-amiloide no cérebro. Acontece que essa não é a única causa. Ela é apenas mais um dos componentes da doença. Por isso, mesmo que o remédio tenha diminuído seu acúmulo no cérebro, até o momento não houve comprovação de melhora clínica evidente que justifique seu uso", diz o neurologista.

 

Resultados questionáveis

 

Para a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, os únicos dois ensaios clínicos realizados com o aducanumabe foram interrompidos na fase III, etapa na qual se espera obter
mais informações sobre a segurança e a eficácia do medicamento testado. Com isso, apenas 50% dos testes foram concluídos. Um dos resultados mostrou que o medicamento reduziu de
20% a 30% as perdas nas funções cognitivas dos pacientes testados, o que leva os especialistas a considerar que a medicação parece fazer efeito só em pessoas com comprometimentos cognitivos leves.

 

Outro ponto considerado polêmico foi o curto período de avaliação dos pacientes voluntários, que durou apenas um ano. No caso da doença de Alzheimer, em geral, os sintomas aparecem muito tempo depois, de dez a 15 anos, em média, da doença já instalada. O primeiro sintoma do Alzheimer costuma ser a perda de memória para eventos recentes. “Isso acontece porque a doença atinge o hipocampo, que é o nosso portal da memória, onde as lembranças de fatos remotos ficam preservadas, porém as memórias mais recentes não são mais fixadas nessa região do cérebro. Daí o paciente ser incapaz, às vezes, de lembrar o que almoçou ontem, mas se recordar com detalhes da sua casa de infância, por exemplo”, diz a neurologista Jerusa Smid, secretária da ABN. Com a evolução da enfermidade, outras regiões do cérebro são danificadas, o que dá margem para o surgimento de mais alterações cognitivas, como desorientação espacial e dificuldade de atenção, afirma Smid.

 

Os desafios futuros

 

O aducanumabe também é criticado por atuar apenas em uma das alterações patológicas da doença de Alzheimer: o acúmulo da proteína beta-amiloide. “Além das placas senis causadas
pela beta-amiloide, que se depositam em várias regiões do cérebro, a proteína Tau, que se acumula nos neurônios, parece ser potencialmente negativa para o funcionamento das células nervosas”, diz o geriatra Natan Chehter, do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. Por isso, os especialistas acreditam que, para ser considerado eficaz, o medicamento deve mirar as duas alterações.

O neurologista Denis Bernardi afirma que a chegada do aducanumabe não muda quase nada para os pacientes que já apresentam perdas cognitivas. Aqui no Brasil, como a medicação ainda não foi aprovada pela Anvisa, a recomendação é esperar a avaliação do órgão regulamentador para saber quais são as melhores indicações de uso de acordo com cada caso.

O custo elevado do medicamento – cerca de US$ 300 mil ao ano – também será um problema no Brasil. Por ora, vale a pena investir em ter uma melhor qualidade de envelhecimento cerebral desde jovem.

 

Fonte:

Por Veridiana Mercatelli (Copyrighter/ Berlim, Alemanha).

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