Demência por corpos de Lewy

A demência por corpúsculos de Lewy (DCL) é uma doença subdiagnosticada. Seus critérios diagnósticos possuem baixa sensibilidade e elevada especificidade, e, por isso, muitos casos não são diagnosticados. O manejo dessa patologia é desafiador, pois, ao escolher tratar um sintoma, geralmente produz complicações em outros domínios comprometidos pela doença.

 

Esse desafio também se impõe quando há outros médicos especialistas tratando o mesmo paciente. Nesses casos, é necessário racionalizar o cuidado e se comunicar com os demais médicos assistentes.

 

O curso da doença é rápido, apesar de possuir prognóstico variável entre os indivíduos. Em um estudo, a expectativa de vida ao diagnóstico é de 2,3 anos a
menos quando comparado com doença de Alzheimer (DA). Os sintomas podem ser divididos em cinco categorias.

 

Sintomas neuropsiquiátricos

 

Ansiedade e depressão

Ansiedade e depressão são sintomas comuns na DCL, afetando, respectivamente, 27% e 59% dos casos. Estes sintomas podem predizer a abertura do parkinsonismo e da demência décadas antes – possivelmente devido à patologia precoce nas células de projeção serotoninérgicas do núcleo dorsal da rafe. Sinucleinopatias incipientes deveriam ser consideradas como possíveis diagnósticos diferenciais na abertura de quadros de ansiedade e depressão tardios, particularmente em paciente sem um fator precipitante e/ou com parkinsonismo conhecido.

 

Não há estudos controlados para avaliar tratamentos para ansiedade na DCL ou na DP. Já a depressão foi um dos quatro sintomas que melhorou com rivastigmina e olanzapina. Um único estudo com citalopram e risperidona não achou melhora com nenhuma das drogas após 12 semanas. Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina (ISRS) e Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina e Noradrenalina (IRSN) possuem resultados mistos no que concerne à depressão relacionada a demência de Parkinson. Tratamentos com eletroconvulsoterapia (ECT) e estimulação magnética transcraniana parecem ser igualmente efetivos na DCL.

 

Alucinações e delírios

De 60%–70% dos pacientes com DCL geralmente começam a manifestar alucinações nos primeiros dois ou três anos da doença, enquanto são sintomas tardios na doença de Alzheimer. Na doença de Alzheimer (DA), alucinações geralmente possuem um aspecto ameaçador e causador de medo. São frequentemente acompanhados por delírios persecutórios. Já na DCL, as alucinações são com frequência não ameaçadoras e se caracterizam por má interpretação de estímulos ambíguos. Por exemplo, um paciente pode interpretar erroneamente uma sombra como sendo uma pessoa ou um animal. O teste dessas más interpretações – chamadas de pareidolias – diferenciam a DA da DCL. Escolher não tratar estes sintomas é frequentemente apropriado, mas inibidores da colinesterase são uma opção efetiva e segura.

 

Em um estudo com demência de Parkinson, mais de 90% dos pacientes afirmaram diminuição das alucinações visuais com o uso de inibidores da colinesterase. As alucinações podem ser minimizadas com uma correção visual adequada a cuidados com a iluminação – com atenção ao risco de quedas na adequação da iluminação.

 

Medicações que podem exacerbar os sintomas neuropsiquiátricos na DCL devem ser interrompidas. Nesse grupo estão incluídos: anticolinérgicos, amantadina, agonistas dopaminérgicos, IMAOs, inibidores da catecol-O-metil transferase e levodopa, levando-se em consideração que a interrupção abrupta dessas medicações pode desencadear síndrome neuroléptica maligna.

 

O uso de antipsicóticos nesses pacientes é uma decisão complicada. Na doença de Alzheimer, antipsicóticos raramente são efetivos na redução dos sintomas e aumentam o risco de derrame e morte súbita por causa cardíaca em pelo menos 50%. Interromper essas medicações diminui o risco de óbitos na mesma proporção.

 

Outros estudos indicam que a ideia de antipsicóticos associados a mortalidade pode ocorrer devido a outros achados. Essa teoria argumenta que o estágio final da demência se relaciona com o aumento da mortalidade e também leva à prescrição de antipsicóticos. Dados desses estudos fizeram com que o FDA emitisse um aviso de tarja preta para o uso de antipsicóticos na demência e uma mudança substancial nas prescrições.

 

Um fator importante para o sucesso do tratamento com antipsicóticos na DCL e outras demências relacionadas diz respeito aos sintomas-alvo. Alucinações e
delírios respondem melhor a essas medicações do que alterações de comportamento. Deve-se reservar o uso de neurolépticos para sintomas que respondam melhor ao seu uso, uma vez que intervenções comportamentais já tenham sido implementadas. Ha amplas evidências sobre a eficácia das intervenções comportamentais.

 

O tratamento com antipsicótico deveria ser de curta duração em pacientes com risco de se ferir por causa de sua psicose. Escores mais elevados no Neuropsychiatric Inventory podem indicar se o paciente é mais propenso a responder ao tratamento – principalmente se os achados estão dentro de domínios que respondem ao tratamento com neurolépticos.

 

Pacientes com DCL estão sob risco particularmente aumentado para morbimortalidade relacionada ao uso de antipsicóticos. Sensibilidade severa aos neurolépticos ocorre em 30%–50% destes pacientes. Antipsicóticos típicos (como haloperidol) devem ser evitados, mas as reações podem ocorrer depois de usar qualquer neuroléptico. Não foram encontradas diferenças na mortalidade entre os antipsicóticos atípicos nos testes realizados.

 

Sedação profunda, confusão, exacerbação do parkinsonismo, rigidez, disautonomia e óbito podem ocorrer mesmo depois de uma única dose. Estes achados estão relacionados a um aumento de até três vezes a chance de derrame e um aumento de duas a quatro vezes no declínio cognitivo. Contudo, há também evidências divergentes: antipsicóticos têm sido bem tolerados nas avaliações com DCL e um grande estudo observacional não encontrou aumento da mortalidade em pacientes com Alzheimer.

 

Apesar da controvérsia em estudos com antipsicóticos, a ampla resposta nos placebos e a melhora da sobrevida daqueles pacientes cujo antipsicótico foi retirado sugerem que todas as prescrições de antipsicóticos deveriam incluir um plano para sua interrupção.

 

A escolha de qual antipsicótico usar também é importante. Quetiapina e clozapina se mostraram igualmente eficazes em estudo com DP, apesar de outros estudos sugerirem resultados mistos. Apesar das poucas evidências sobre essa baixa eficácia, muitos clínicos usam quetiapina, reservando a clozapina para uma segunda ou terceira linha de tratamento por causa de seu potencial em causar agranulocitose. Mais dados são necessários para orientar a escolha do antipsicótico na DCL. Nesse ínterim, é razoável escolher antipsicóticos com base em seus perfis de efeitos colaterais.

 

Pacientes em risco para diabetes e hiperlipidemia devem evitar quetiapina, olanzapina e clozapina, enquanto aqueles com elevado risco cerebrovascular devem
evitar olanzapina e risperidona. Olanzapina também é associada com declínio motor em pacientes com DP com psicose. A Movement Disorders Society alerta contra o uso de olanzapina na DP – alerta este que também pode ser razoavelmente estendido aos pacientes com DCL. Independentemente do antipsicótico usado, os médicos deveriam ficar alertas para as alterações nervosas sobre o coração observadas nas sinucleinopatias e considerar a monitoração do intervalo QT. Isso é especialmente importante quando inibidores de colinesterase e neurolépticos são usados juntos. Novos agentes sem tantos efeitos colaterais estão em desenvolvimento, como pimavanserina (um antagonista inverso seletivo de serotonina 5-HT2A).

 

Tais alterações costumam responder a medidas simples, como treinamento dos cuidadores, remover “gatilhos” que possam ser ameaçadores e aumento da interação social. Muitos gatilhos que causam agitação são passageiros, e os episódios de agitação, autolimitados. Logo, a observação e a espera são preferíveis à prescrição de antipsicóticos. Nos estágios avançados da doença, quando os pacientes possuem dificuldade de se expressar, a dor é frequentemente um gatilho para a agitação. É importante investigar causas de dor e até avaliar o início de um tratamento empírico com analgésicos simples, como acetaminofeno.

Alterações comportamentais como mudanças no ciclo sono-vigília, perturbações, gritos, comportamento opositivo, agitação e agressividade não são bons alvos terapêuticos para os neurolépticos. Há programas para treinamento de cuidadores que auxiliam a diminuir tais alterações, ajudando-os a compreender o que ocorre sob a perspectiva do paciente e adaptar sua abordagem.

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