O luto e a doença de Alzheimer

A doença de Alzheimer parece distante até que alguém muito próximo é diagnosticado com a doença: mãe, pai, avô, avó, marido, esposa, irmão, irmã, tio, tia… Quando a família recebe o diagnóstico de uma pessoa querida, automaticamente medo, angústia e incertezas afloram. O futuro é nebuloso.

 

Pequenas perdas diárias são o pano de fundo da finitude da vida, que passa a ser uma realidade dura e constante para aquela família.
De modo geral, o luto é uma reação universal, natural, particular e dinâmica que se estabelece diante da perda de alguém ou algo significativo. Sentimentos de dor, tristeza, culpa e raiva são comuns, mas gradativamente esses sentimentos são compreendidos, elaborados e ressignificados, possibilitando que o enlutado reorganize a sua nova vida, mas agora sem a presença física do ente querido.

 

No entanto, esse processo é diferente para a família que precisa lidar com a doença de Alzheimer. O luto é diário, e, por mais estranho que possa parecer, esse processo é em vida. As pequenas mortes são diárias e constantes: o declínio das atividades cognitivas, a dependência de cuidados diários referentes a alimentação, higiene pessoal, medicação, etc. O não reconhecer
as pessoas do núcleo familiar caracteriza o que chamamos de “perda ambígua”: é a presença física e a ausência psicológica.

 

As pessoas que vivem a perda ambígua oscilam entre esperança e desesperança. É nunca saber o que encontrará no momento seguinte. É ficar feliz quando é reconhecido, quando há um gesto de carinho e afeição pelo familiar doente. Quando há a possibilidade de manter um diálogo de minutos, ativa-se a esperança e o conforto, mas no momento seguinte é voltar a ser um
estranho ou receber comportamentos agressivos, palavras duras e olhares acusadores que machucam a alma. A montanha-russa do viver e morrer é diário, fragilizando e esmagando o emocional daquela família. A cada momento se estabelece um vínculo afetivo que pode ser rompido no momento seguinte.

 

Todas essas situações fragilizam o emocional da família, pois se vive a perda diariamente.

 

Sentimentos de angústia, medo, frustração e raiva se misturam com alegria, amor e carinho. Por mais que se cuide e que se faça tudo que está ao alcance, a doença silenciosa e progressivamente vai evoluindo.

 

Nesse sentido, é essencial trabalhar com os cuidadores informais (familiares) o luto antecipatório, para que esses sentimentos ambíguos sejam entendidos, além de trazer luz sobre a mortalidade do ente querido, de si próprio e propiciar que os familiares expressem sentimentos gerados diante da realidade da doença de Alzheimer, pois cada um vivencia essa experiência de modo
diferente.

 

A saúde mental e física do cuidador principal e da família é colocada à prova. O cansaço é grande, e a impotência de não conseguir impedir a progressão da doença, o medo de ver quem se ama na última fase da doença, a inaptidão de não se prever o futuro trazem a sensação que nada daquilo parece ter fim.

 

Decidir pelo cuidador formal não é motivo de culpa ou remorso. Não significa ausência de amor ou menos cuidado. O amor está no cuidado, no zelo e em não abandonar. Aceitar ajuda é sinal de respeito consigo mesmo e valorizar a qualidade das relações com o familiar doente.

 

Quando trabalhamos o luto antecipatório, é possível à família lidar com questões pendentes para identificar soluções em tempo hábil. Isso fortalece o entendimento dos impactos do adoecimento na família, considerando que a doença é ativa, progressiva e incurável.

 

Cuidar do doente é fundamental, porém é necessário que os demais membros da família procurem apoio. Existem grupos de apoio e de acolhimento em bairros, igrejas e instituições que possibilitam a fala e a escuta dos participantes com situações similares. No entanto, o acompanhamento psicológico especializado é fundamental para aqueles que identificam que a doença está impactando demasiadamente a saúde emocional.

 

Durante o processo terapêutico, é possível trabalhar a compreensão desses sentimentos tão contraditórios, estabelecer limites, se fortalecer para o enfrentamento da doença, identificar formas de conciliar sua vida pessoal com a do paciente e elaborar o luto.

 

Fonte:

Simone Siqueira
Psicóloga
CRP 06/55254
@psi_simonesiqueira

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